Setecidades Titulo Jogo do Tigrinho
Relatora da CPI das Bets diz que influencers manipulam

Senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS) vê simulação de ganhos para atrair seguidores

Natasha Werneck
25/05/2025 | 16:34
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Edilson Rodrigues/Agência Senado


A relatora da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) das Bets, senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS), afirmou em entrevista exclusiva ao Diário que há evidências claras de manipulação nos jogos online promovidos por influenciadores, como o famoso “Jogo do Tigrinho”. A constatação foi feita após o depoimento do influenciador Rico Melquíades, no último dia 14, quando ele foi instado a jogar ao vivo durante a sessão da comissão.

“Solicitamos que ele jogasse ali, na frente dos senadores, e o nervosismo foi evidente. Foi assim que confirmamos o uso das contas ‘demo’, que simulam ganhos irreais para enganar os seguidores”, disse Soraya. “Essa ação foi essencial para o avanço das investigações.”

A parlamentar também denunciou o esvaziamento da comissão e alertou sobre a falta de tempo para ouvir todos os convocados. Os trabalhos da CPI têm previsão de encerramento no dia 14 de junho. “Infelizmente, a maioria dos senadores tem se ausentado. Na prática, dois ou três participam ativamente de cada sessão. Há quem nem integre formalmente a comissão e esteja mais comprometido do que os titulares”, revelou.

Apesar do pouco tempo e da falta de quórum, Soraya garante que apresentará um relatório robusto, com indiciamentos criminais e propostas legislativas para endurecer as regras de publicidade, responsabilizar influenciadores e proteger os jogadores, sobretudo os mais vulneráveis. “O uso de personagens infantis, como o Tigrinho, e bônus enganosos são gatilhos para o vício. Precisamos frear esse tipo de apelo e conscientizar a população sobre os riscos”, defendeu.

A senadora revelou que, além dos influenciadores, há fortes indícios de envolvimento de empresários e instituições financeiras em esquemas de lavagem de dinheiro e evasão de divisas usando as casas de apostas.

Desde o início dos trabalhos, em novembro de 2024, a comissão já ouviu delegados, especialistas em saúde mental, representantes do governo e até um ex-jogador afetado pela dependência. A mobilização popular, especialmente nas redes sociais, também tem impactado o andamento da CPI. “Temos recebido muitos relatos de tragédias familiares, jovens endividados, pessoas em sofrimento. Isso nos dá ainda mais responsabilidade”, afirma.

Sobre os influenciadores, Soraya diz que a convocação é técnica, e não persecutória. “Eles podem ter cometido irregularidades, sim, mas o foco também está nos empresários que estão por trás dessas práticas. Ninguém será punido injustamente, mas todos serão responsabilizados conforme sua participação.”

A relatora confirmou que já teve aprovada a convocação de Carlinhos Maia, mas a data do depoimento depende do presidente da CPI, senador Dr. Hiran. Ela não descarta pedir a prorrogação da comissão, mas, se isso não acontecer, promete entregar um parecer final com propostas claras para uma nova legislação — que inclua restrições de acesso por menores, punições mais rígidas e uma regulação severa da publicidade. “Esses jogos não só são manipulados, como causam dependência e destroem famílias. Vamos deixar isso claro para o Brasil.”

CAPS oferece tratamento gratuito

As apostas deixaram os porões dos bingos clandestinos para tomar o celular. O acesso rápido, em qualquer horário e lugar, intensificou a dependência em jogos de azar — uma compulsão silenciosa, mas destrutiva.

É o que conta M.L.F., 44 anos, morador de Santo André e acolhido atualmente por um instituto de apoio a pessoas em situação de vulnerabilidade. Ele iniciou sua trajetória em 2007, quando conheceu uma casa de apostas clandestina próxima à estação de trem da cidade. A relação, que começou em uma noite de curiosidade, se transformou em uma espiral de perdas financeiras e emocionais. Hoje, ele luta contra a dependência com acompanhamento no CAPS AD (Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas) da cidade.

“A facilidade de você se perder nesse meio é enorme”, conta M.L.F., ao lembrar da transição entre casas de apostas clandestinas para o impacto das plataformas de apostas online. “Você tem o acesso ao seu aplicativo do banco e ao aplicativo do jogo. Então, você não precisa sair da sua casa.”

Com a migração do ambiente físico das máquinas caça-níqueis para a palma da mão, a compulsão acompanhou. “Hoje tem o tigrinho, a cobrinha… Tudo que você abre, aparece uma propaganda. ‘Vem aqui, aqui paga’. Eu já perdi muito dinheiro com isso.”

Para M.L.F., o agravante das apostas online está justamente no disfarce de simplicidade: são poucos cliques até que o prejuízo se torne irrecuperável. “Você ganha R$ 1.000, R$ 2.000. Aí quer ganhar mais. E aí começa a perder, e você quer recuperar. Quando vê, perdeu tudo. Perde o dinheiro da comida, do aluguel. Eu já passei fome porque joguei o dinheiro da quentinha.”

A escalada das perdas o levou à situação de rua e ao rompimento com a família. Só há cerca de um ano ele começou a enfrentar o vício com ajuda especializada no CAPS AD de Santo André — uma das poucas unidades públicas na região que atua com foco também em dependência de jogos de aposta.

É neste mesmo espaço que Geanny Yassuda de Oliveira, 24 anos, recebe atendimento. Ela começou a apostar em plataformas digitais no fim de 2023 e acumulou uma dívida de R$ 43 mil. “No começo era só um passatempo. Depois virou rotina. Eu jogava em qualquer momento livre. Nem percebia que estava viciada”, conta.

Geanny também destaca o papel dos estímulos digitais. “Hoje em dia, nas minhas redes sociais não aparece tanto, mas no começo eu tinha gatilhos com qualquer propaganda. Agora eu percebo que fico de boa, mas tive que me fortalecer muito pra isso.”

Ambos os relatos apontam para o mesmo alerta: o vício em jogos de azar, especialmente online, é real, grave e requer tratamento. Como resume M.L.F., com a voz firme após anos de instabilidade: “O jogo te controla. A gente acha que vai parar quando quiser, mas não é assim. E tem que falar sobre isso. Porque o vício em jogo é uma doença. E tem tratamento. Tem saída.”

No local, há um grupo específico para tratamento de ludopatia (nome técnico para o vício em jogos), que se reúne todas as segundas-feiras, às 14h. Em média, 12 usuários participam exclusivamente desse grupo, que oferece acolhimento em roda de conversa, escuta especializada e orientação terapêutica.

O atendimento no CAPS AD não exige encaminhamento nem agendamento prévio. Basta comparecer à unidade de segunda a sexta-feira, das 8h às 19h, na Rua Venezuela, 91, Jardim Bela Vista, Santo André.




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