Fardo feminino

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Aline Melo

Estamos há pouco mais de um mês em regime de quarentena estadual. Comércios e serviços não essenciais foram fechados, aulas suspensas e as autoridades de saúde pedem incansavelmente: fiquem em casa. No Brasil e, em menor medida, ao que parece, no mundo, existem pessoas que se colocam contra as evidências científicas e as medidas de distanciamento social como solução para contenção da pandemia. Não importa que o mundo tenha ultrapassado a marca de 200 mil mortes. No País, já são mais de 4.500 mil os óbitos.

Essas pessoas que negam o perigo da pandemia, ou que acreditam que seja mais importante salvar a economia do que as vidas, são risco para si mesmas e para os outros. Um grande número de pessoas se contaminando simultaneamente resulta em muitos indivíduos necessitando ao mesmo tempo de atendimento em unidades de saúde, sem que haja médicos e leitos que deem conta da demanda. É uma conta simples e ignorá-la pode ser a diferença entre a vida e a morte, seja de um desconhecido, um vizinho, um amigo, ou alguém da nossa família.

Isto posto, gostaria de lembrar que o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), tem agradecido às mulheres, que são a maioria dos que têm cumprido as medidas de distanciamento social, e pedido que elas convençam seus amigos e parentes a fazer o mesmo.

A imprensa também tem dedicado páginas para elogiar os países onde as medidas de contenção da Covid-19 têm sido bem-sucedidas, como Alemanha e Finlândia, onde mulheres são líderes do Executivo. Seriam as mulheres mais competentes? Não vou entrar nessa discussão. É inegável que esses países têm mais recursos do que a maioria. E dinheiro está fazendo toda a diferença: as nações que conseguem garantir um colchão de seguridade social para seus cidadãos são as que conquistam maior adesão.

Esse artigo pretende alertar para o risco de atribuir esse bom desempenho às supostas vocações maternas e femininas que são, muitas delas, construções sociais e não apenas sentimentos inatos. Essa suposição, longe de ser um elogio, padroniza os desejos femininos e restringe a mulher ao papel de mãe ou cuidadora. E então, mais uma vez, vemos a sobrecarga de trabalho e de expectativas sobre a figura feminina.

Não cabe às mulheres, já sobrecarregadas em seus afazeres, convencer a população a aderir ao isolamento. Elas, que em muitos casos seguem trabalhando de casa, supervisionando filhos em aulas a distância e, não raro, sob a pressão e a angústia de conviver com agressores, não podem receber mais esse fardo.
Cabe ao poder público tomar medidas que vão além da recomendação de distanciamento social. É preciso prover ajuda e apoio aos mais pobres e vulneráveis, assim como garantir aos pequenos e grandes empresários as condições para a continuidade das atividades e manutenção dos empregos, além de implementar tributos sobre fortunas, visando dividir um bolo que é grande e que neste momento pode matar a fome de muitos.
 



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