Quem influencia seu filho?

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Miriam Gimenes

 
Quando você menos espera o seu filho brinca imitando uma foca. Em outro momento, demonstra habilidades em jogos de Minecraft, algo que você sequer imagina como manusear. Na verdade, o pequeno(a) não desenvolveu essas prática por achar o animal fofinho ou por ter nascido com talento inato para os games, mas sim porque está imitando alguns de seus youtubers favoritos, aqueles que postam vídeos diários e pedem que eles ‘deem um like’ e se inscrevam no canal, sem nenhum pudor. Acredite: há tutorial até ensinando isso. Ao que vem a pergunta: quem são essas pessoas e de onde vem esse poder de influência sobre nossos filhos?
 
A resposta é ampla e será respondida nas próximas páginas. O fato é que as crianças gostam, e muito, dessas pessoas, ou por achar engraçada a maneira como são construídos os vídeos, por se identificarem com o protagonista em questão ou apenas assistem para passar o tempo. A linguagem também é outro chamariz, já que ainda que sejam adultos esses profissionais sabem dos gostos das crianças – leia-se personagens, desenhos, danças, séries e brinquedos – e assim vão conquistando aos poucos a audiência diária. Tudo varia também de acordo com a faixa etária.
 
Os pequenos, que cada vez mais cedo têm acesso aos tablets e smarthphones, entram ‘neste mundo’ assistindo a desenhos focados para crianças de zero a 2 anos, depois aprendem a manusear os vídeos do YouTube – muitos deles abrindo brinquedos e ovos surpresa – até escolherem os seus youtubers favoritos. E eles sabem fazer isso muito bem.  Tanto que relatório recente publicado pela Kaspersky Lab, empresa internacional de cibersegurança, aponta que 17% das pesquisas realizadas nos últimos meses pelas crianças incluem conteúdo de vídeo. Não à toa o Brasil é o segundo País que mais assiste ao YouTube no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos.
 
Entre os campeões de audiência atualmente aparece, com unanimidade, Luccas Neto – veja entrevista com ele no fim da reportagem –, irmão do também youtuber Felipe Neto (23,5 milhões de seguidores), o piauiense Whindersson Nunes (com mais de 30 milhões de inscritos em seu canal), Authentic Games, Kéfera Buchman, Pedro Rezende (Rezendeevil), entre outros. Vale lembrar que este fenômeno teve início em 2013, com os chamados vlogueiros (que uniam vídeos a blogs) e ganharam o status de youtuber quando formaram seus canais, ganharam seguidores e transformaram o novo ‘patamar’ em lucro.
 
Passaram, portanto, de simples criadores de conteúdo para internet para o status de ídolos infantis. Segundo a psicopedagoga, especialista em educação especial e em gestão escolar Ana Regina Caminha Braga, esse fenômeno tem se intensificado nos últimos anos, muito em razão da profissionalização dos influencers. “Eles (youtubers) têm um jogo midiático muito bom e chamam atenção por meio das propagandas, da ‘piscina de nutella’ (vídeo publicado por Luccas Neto com mais de 16 milhões de visualizações), das experiências com garrafa de Coca-Cola, ou exploração dos brinquedos, a supervalorização do consumo em si.” Só que, junto com este ‘crescimento’, não vêm só distração e divertimento. “Muitas vezes eles falam palavras inadequadas, gírias, palavrões, um português nada aprimorado e tudo isso acaba atrapalhando o aprendizado, principalmente na fala e escrita. Até mesmo na questão de a criança não ter acesso e condições de comprar os brinquedos que eles fazem propaganda, isso pode prejudicar”, alerta.
 
Por isso, acrescenta, é importante que os pais estejam atentos se o youtuber assistido conversa com a faixa etária do filho, tenham ciência do conteúdo que ele produz e, se achar que não condiz com a realidade e educação que a criança tem em casa, deve-se conversar. “Nós, enquanto educadores, não falamos em tolher, mas orientar. Tem de minimizar os excessos e procurar algo produtivo, que acrescente algo na maturação da criança.”
 
Canais que ensinam sobre jogos (Minecraft, Lego) são algumas das indicações da especialista. “A maioria não fala palavrões, ensina construções, tem a questão do raciocínio lógico, interpretação de texto, agilidade, reflexão e matemática. Nestes quesitos, contribuem de forma positiva”, aconselha Ana. E ainda nestes casos, acrescenta, “a questão do tempo de exposição é muito importante. Isso porque a criança precisa de rotina e limites para este tipo de atividade”.
 
É o que faz a comerciante Ana Rosa Tavares de Souza, 38, de Santo André. Mãe de Ana Luisa, 13, e de Luana, 3, ela não veta o uso do YouTube, mas conversa sobre o que é ou não correto assistir. Com a mais nova, por exemplo, deixa acessar o YouTube Kids, com conteúdo exclusivo para crianças de menor faixa etária e, com a maior, orienta. “Com a Ana é difícil vetar de ver. Ainda mais que na idade usa o meu celular, muito para pesquisas de trabalho da escola. O que eu falo? Que certas coisas existem, mas que são impróprias para ver. Se está vendo e achar que eu não vou gostar, saia.”
 
Ana Rosa diz que a filha adolescente, antes fã da Kéfera, passou a não assisti-la mais depois que ela começou a entrar em conflito com internautas que a criticaram. “Ela diz que gostava do Felipe Neto quando ele começou (seu canal está desde 2010 no ar), ensinava coisas legais, explicava sobre a Síria, por exemplo. De uma hora para outra passou a fazer brincadeiras, falar sobre sexo e parou de seguir. Agora ela gosta é de séries da Netflix.” Ajudar a mudar o foco da criança e adolescente – inclusive tirando um pouco a tecnologia e oferecendo muitos livros – pode ser uma saída para melhorar seus gostos.
 
 
 
POLÊMICA
 
Há pouco o youtuber Júlio Cocielo, do CanalCanalha, com quase 17 mil seguidores, provocou polêmica: ao ver o jogador da França Mbappé em partida pela Copa do Mundo contra a Argentina, postou em seu Twitter que o jogador ‘conseguiria fazer uns arrastão top na praia (sic)’. Em tempo: o francês é negro. Acusado de racismo, Cocielo sofreu milhares de críticas – muitas delas de famosos – e foi, pouco a pouco, perdendo alguns de seus maiores anunciantes. Cocielo chegou a postar vídeo pedindo desculpas, mas já era tarde demais.
 
Os Populares
 
Whindersson Nunes (foto acima) – comediante, cantor e youtuber piauiense faz vídeos de humor no YouTube desde 2013 e já conquistou mais de 30 milhões de seguidores.
 
Felipe Neto – o youtuber carioca, o primeiro a conquistar 1 milhão de inscritos no Brasil (hoje tem 23,5 milhões de seguidores), faz vídeos de entretenimento. A cada meta batida de seguidores ele muda a cor do cabelo.
 
Authentic Games – criado por Marco Túlio, um garoto de Belo Horizonte, o canal (com 14 milhões de seguidores) mostra gameplays de Minecraft.
 
Rezendeevil – o canal surgiu em 2011, por iniciativa de Pedro Afonso Rezende, também fala sobre Minecraft.
 
Manual do Mundo – canal especializado em vídeos educativos e de entretenimento criado por Iberê Thenório e sua mulher, Mariana Fulfaro. Nele há experiências, receitas, desafios, pegadinhas, entre outras coisas.
 
 

 

 Entrevista: Luccas Neto (17,5 milhões de seguidores)

“Levo alegria para as crianças”

Seu canal no YouTube é uma unanimidade entre as crianças. Ao que atribui esse sucesso?

Acredito que seja pela alegria que levo para elas, pelo meu estímulo para que usem a imaginação e a criatividade para entrarem em um mundo de fantasia e magia comigo. Isso tudo é aliado a grande responsabilidade, pois busco resgatar pequenos hábitos antigos, como cantar músicas de criança, contar histórias e fábulas, brincar de atividades lúdicas simples, sempre com uma moral educativa ao fim dos vídeos.

No que você acredita contribuir na educação e diversão das crianças?

O meu canal é totalmente focado em conteúdos educacionais e sociais para crianças e pais. No meu perfil, hoje, só há vídeos em que transmito mensagens educativas, tanto para os pequenos como para os responsáveis, como o respeito à família e às regras da casa, o cultivo das amizades e das brincadeiras simples e saudáveis de infância. O meu livro, por exemplo, As Aventuras Na Netoland com Luccas Neto, também foi pensado principalmente para incentivar as crianças a cultivarem o hábito de leitura e de outras maneiras de diversão, além da internet, e também auxiliar os pais na difícil missão de educar. Acredito que aprender brincando seja uma ótima maneira de estimular as crianças para as tarefas e responsabilidades diárias.

Os pais costumam dar palpites nos vídeos? Como trabalha a interação com eles?

Claro! Muitas vezes gravo vídeos por causa de problemas que pais relatam passar em suas casas com seus filhos. Por exemplo, crianças que não querem arrumar o quarto ou que ficam assistindo aos vídeos no YouTube durante a aula. Tento sempre atendê-los ao máximo possível para ajudá-los na missão de educar.

Lembro de um vídeo em que dizia ter parado de falar palavrão por conta do pedido de um pai. O que mais teve de mudar para se adaptar ao público?

Tive a compreensão da imensa responsabilidade que tenho e percebi que meus vídeos precisavam educar, de alguma maneira, e não só entreter. Então trabalho e me dedico diariamente para conseguir fazer.

Como lida com as críticas (há pouco vi algumas blogueiras/mães criticando seus gritos e as brincadeiras que faz nos vídeos)?

Tenho plena consciência da responsabilidade que assumo ao me comunicar com meu público e busco sempre usar toda a minha influência para o bem. Em razão de alguns vídeos terem adquirido um viés distorcido, por apenas produzir um conteúdo de entretenimento e também para transformar em realidade o que as crianças não poderiam fazer, resolvi reformular meu canal. Há pelo menos três meses meu perfil está totalmente reestruturado e focado em conteúdos educacionais e de cunho social para crianças e pais.




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