Sinfonia do ferro-velho

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Daniel Tossato<br>Do Diário do Grande ABC

 Sementes, pilhas, parafusos, pregos e resistências de chuveiro. É com esses materiais que Valdeci Francisco da Silva, 38 anos, constrói seus instrumentos musicais. Feitos à mão, apresentam aspecto rústico e deteriorado, fatores não influenciam em nada na sonoridades dos artefatos. Pelo contrário. Bebê do Góes, como também é conhecido, faz disso sua particularidade. Ajudando sua namorada em um ferro-velho em Santo André, o músico presta atenção não só no que vê, mas fica muito atento também ao que ouve.
Separando material de descarte na maioria dos dias da semana, o que para muita gente pode ser itens sem qualquer tipo de utilidade, Góes pode enxergar um novo instrumento de percussão, e com a habilidade de um maestro ele separa as peças que podem virar os seus mais novos instrumentos musicais. “Tudo começou desde cedo, quando eu tinha 7 ou 8 anos. Já naquele tempo eu construí uma pequena bateria com latas de marmelada e goiabada”, lembra.
A descoberta de uma peça de descarte que pode emitir um som único e ser utilizada em suas gravações e apresentações musicais é, para o músico, um prazer o qual não consegue descrever. “Posso dizer que é como se houvesse uma conversa entre a gente”, explica o artista.
Dentre os instrumentos constituídos de material reciclável e descarte, destacam-se o ganzá – uma espécie de chocalho – e um sem-número de aparatos que emulam sons da natureza com precisão. “Tem profissional da música que desconfia quando me assiste, acha que são instrumentos de brinquedo. Isso acaba quando o som começa a rolar”, brinca o músico. “Construo meus instrumentos dessa forma propositadamente. É minha assinatura, é meu diferencial.”
Admirador de Naná Vasconcelos, falecido músico pernambucano que ganhou oito Grammys, Bebê do Góes fincou suas receitas musicais no samba de raiz e no chorinho, estilos de música nos quais pode colocar toda sua desenvoltura e descoberta.
Ainda que desconhecido para o grande público, Góes já se apresentou com nomes conhecidos da música nacional como Zé Rodrix, Patrícia Marx e Germano Mathias. Seus últimos trabalhos, porém, foram com bandas e músicos do Grande ABC. “Toco em alguns bares da região, mas o que me interessa é a parceria que faço com outros músicos”, explica.
Se dizendo realizado profissionalmente, o músico andreense relata as dificuldades de viver de música independente no País. Em 2017 participaria do lançamento de um filme em Hollywood, nos Estados Unidos, mas devido à burocracia e à falta de verba isso acabou não acontecendo. Em 2016, porém, conseguiu visitar terra estrangeira e encantou espectadores no Uruguai, quando fez uma rápida passagem pelo país. “Conheci muita gente bacana por lá. Pessoas que conheciam muito bem a música brasileira. Perguntavam de Ivan Lins e Vinícius de Moraes”, relembra o músico.
Encarando a vida dupla entre a música e o trabalho pesado, Bebê do Góes tem apenas uma certeza. “Tudo tem som e música.”




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