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Miriam Gimenes

Cultura do cancelamento ganhou força com as redes sociais; especialista dá dicas para não ‘cair nesta tentação’
 
Terça-feira, dia 23 de fevereiro de 2021. Aparentemente não haveria nada a se comemorar em um dia em que os números de mortos pela pandemia do novo coronavírus continuavam altos e o País não tinha, ainda, vacina para toda população. Também não teve nenhuma final de campeonato de futebol. Mas, ao fim da noite, o que se ouvia eram gritos e fogos. “O que teria acontecido?”, perguntava-se quem é alheio a realities shows e redes sociais.
 
A resposta: uma das participantes mais odiadas da história do Big Brother Brasil, da Rede Globo, a rapper Karol Conká foi eliminada com recorde de votação, os incríveis 99,17%.
A preocupação do apresentador do formato, Tiago Leifert, e de outros artistas – os mesmos que incentivaram a votação para tirá-la do programa – foi a mesma: ‘O programa acabou, agora é vida que segue’, disse Leifert. Nem por isso os fãs raivosos do BBB deixaram de pedir o cancelamento da cantora e, alguns, chegaram até ameaçar sua mãe e filho, um adolescente de 15 anos. 
 
E o que se pode constatar é a que ponto a sociedade chegou. Polarizada, principalmente depois das eleições de 2018, a cultura do ódio tem sido disseminada com força, principalmente pelas redes sociais. Com curtidas e comentários, todos acham que podem julgar sobre a vida dos outros sem nem ao menos conhecê-los pessoalmente.
 
“A cultura do cancelamento vem reforçando durante o Big Brother um comportamento que o ser humano já tem (de julgar). A internet, rede social dá essa oportunidade. A pessoa pensa: ‘Estou na minha casa, sofá, avaliando quem presta, quem não presta, quem é bom e quem é ruim. Reforça o olhar ‘na grama do outro’”, analisa o especialista em mindset Lucas Fonseca. 
 
E o que desperta isso? É que os realities como o BBB trazem à tona o que o especialista chama de ‘eu real’ dos participantes, principalmente os famosos. “Todos nós temos o ‘eu real’ e o ‘eu social’. O primeiro é o que só os mais próximos conhecem e, o segundo, é o que entregamos, principalmente,  profissionalmente. Ninguém é 24 horas feliz como no Instagram. E no Big Brother só dá para mostrar o ‘eu social’. Lá não tem como manter o ‘eu social’ das redes, e aí vem o grande impacto. Os fãs compraram aquele personagem com o que conheceram pessoalmente e não estão prontos para lidar com isso. Quando mostramos quem somos, as críticas são maiores”, analisa Fonseca. 
 
O ser humano tem a habilidade de projetar no outro comportamentos que queríamos que tivessem com a gente, algo idealizado. Isso serve para família, namoros, amizade. “Quanto pai e mãe cancela o filho, e vice- versa, por ver o outro idealizado? E  quem cancela talvez é o mais prejudicado, porque é um olhar de julgamento, que não vai mudar em nada”, acrescenta o especialista. 
 
Surpresa e aparentemente envergonhada, Karol, ao sair do reality, mostrou-se ciente do que tinha feito que desagradou o público, falou sobre a necessidade de ter um tratamento psicológico e lembrou de problemas que passou durante a vida, mais precisamente durante a infância, que lhe despertou gatilhos no confinamento. “Sou a nova Carminha, Nazaré (vilãs de telenovela), algo do tipo. Achei bem interessante como absorvi, porque realmente pretendo melhorar(...) Preciso realmente me tratar. A personagem vilã surgiu a partir do momento em que entrei na casa. Óbvio que já tive momentos de explosão fora da casa, já fui agredida, e não agi assim.”
 
Lucas Penteado, que foi um dos participantes do programa e teve entraves com a cantora – um pouco depois ele pediu para sair –, publicou imediatamente em sua rede social após a eliminação de Conká: “O BBB é um jogo. Tudo é diferente, é em outra dimensão! Não desejo a ninguém o ódio e a violência. Quem repudia o que eu vivi deve agir diferente. Desejo a Karol acolhimento, da família e de quem a ama, e desejo ainda mais aprendizado e recomeço! Todo mundo merece recomeçar.”
 
O nome disso é empatia, habilidade de se colocar no lugar do outro.  “Antes de cancelar deve-se buscar entender o que moveu essa pessoa a ter esse comportamento. Precisamos praticar, ainda mais em tempo de pandemia, em que nós estamos mais aflorados emocionalmente, a empatia. Não é quem está lá dentro que está diferente. Está mais pronto para jogar, a nossa atenção está voltada para o on-line”, explica Fonseca. 
 
 E pensar no outro não se limita a isso, acrescenta. “Se eu tiver empatia vou me proteger mais, vou usar máscara. Se eu tiver empatia com colaborador, vou pensar duas vezes antes de criticar. Duas coisas que mudariam o mundo são a empatia e a compaixão.” Para ele, embora tenha passado um tsunami na vida da cantora – ainda que a responsabilidade tenha sido totalmente dela –, para respirar, ela tem de assumir esse cancelamento e tirar apenas aprendizado disso. Tudo passa.
 
 
 
 



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