Machismo no judiciário

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Aline Melo

Dizer que o Judiciário brasileiro é machista é quase uma redundância, afinal, ele apenas reflete a realidade da nossa sociedade, absolutamente patriarcal. Ocorre que em algumas situações as decisões são tão absurdas que é preciso falar sobre.
 
O caso mais célebre e recente foi o do empresário paulistano André Camargo Aranha, que foi absolvido em primeira instância da acusação de estupro da influenciadora digital Mariana Ferrer. O crime teria ocorrido em 2018, em uma casa noturna em Florianópolis, Santa Catarina.
 
Apesar de um exame ter comprovado a presença de traços genéticos do acusado no corpo da vítima, a roupa dela suja de sangue e imagens de vídeo que mostram a moça saindo da sala onde teria sido estuprada visivelmente dopada, o juiz Rudson Marcos, da 3ª Vara Criminal de Florianópolis, decidiu inocentar o acusado por falta de provas. A defesa de Mariana recorre da decisão.
 
A defesa do empresário anexou ao processo fotos da jovem em muitas das suas campanhas publicitárias e questionou as roupas que a moça usava e até poses nas fotografias. Um juízo de valor que a tira do papel de vítima para o de culpada, como se qualquer coisa que acontecesse com ela pudesse ser justificada pela roupa que usava ou pela postura que adotava.
 
Caso semelhante ocorreu em Búzios, no Rio de Janeiro, em 1976, quando o playboy Doca Street matou a tiros, na noite de 30 de dezembro, a companheira Ângela Diniz. O juiz do caso aceitou a tese de “legítima defesa da honra”, sob argumento de que a vítima adotava comportamento “provocador e sensual”, atraindo para si a atenção de homens e mulheres, mesmo estando em um relacionamento, o que teria mexido com os brios do acusado.
 
Ainda que tenha sido condenado, Doca Street foi sentenciado a uma pena simbólica de dois anos de prisão, com dispensa de cumprimento da pena. Assassino confesso de Ângela Diniz, saiu pela porta da frente do tribunal como um homem livre. Apenas em 1981, após recurso da promotoria do Rio de Janeiro e intensa mobilização do movimento feminista, o criminoso foi condenado a 15 anos de prisão.
 
O caso foi a inspiração para uma série brasileira transmitida pela Netflix, Coisa Mais Linda, que mostra um alto membro da sociedade carioca que assassinou a mulher por não aceitar a separação, mas que também não ficou preso, porque alegou que foi ferido em sua honra. Quantas Ângelas Diniz terão que morrer, quantas Marianas Ferrer terão que ser violentadas, para que a sociedade e o Judiciário entendam que a vítima não é culpada? 
 
Também é importante dizer que além do Judiciário, que coloca em dúvida a palavra das vítimas e ignora provas contundentes, por trás de agressores de mulheres e de predadores sexuais existem hordas de cúmplices, homens e mulheres que muitas vezes sabem de seus comportamentos violentos e silenciam. Seja por interesse, por achar que não devem se meter na vida alheia ou que as coisas são assim e pronto. Mas não são. Que tenhamos força para honrar a memória de Ângela e para cobrar justiça para Mariana.
 



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