Se olhe com amor

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Aline Melo

Já passamos a marca de 80 dias em quarentena e ainda estamos seguindo medidas de isolamento físico como tentativa de barrar o avanço da pandemia de Covid-19. Com mais tempo em casa, muitas pessoas – aquelas que seguem tendo recursos neste momento, é bom frisar – tem aumentado a ingestão calórica e reduzido, ou mesmo abandonado, as atividades físicas. Nas redes sociais são muitas as fotos de pães, bolos e doces. Muitas também são as queixas, especialmente das mulheres, sobre ganho de peso.

A preocupação com aparência é um verdadeiro fantasma para várias pessoas a ponto de causar distúrbios e problemas psicológicos. Meu questionamento para você que tem se angustiado com essas questões neste período de quarentena é: a gente precisa de mais essa cobrança? Claro que é essencial que nos sintamos bem com a gente mesmo, mas até que ponto a busca por um ideal de perfeição que não existe é algo que deve ocupar a nossa atenção e nosso gasto de energia? Até que ponto esse é um desejo legítimo ou resultado de uma pressão externa que estabelece o magro como padrão de beleza, violentando as pessoas que não se enquadram nesse modelo, pelo motivo que for?

A escritora norte-americana Naomi Wolf publicou na década de 1990 o livro O Mito da Beleza – Como as Imagens de Beleza são Usadas Contra as Mulheres. Na obra, Naomi lista os diferentes campos da vida feminina em que a cobrança por um ideal de beleza inalcançável traz dor e sofrimento. “À medida em que as mulheres se liberaram da mística feminina da domesticidade, o mito da beleza invadiu esse terreno perdido, expandindo-se enquanto a mística definhava, para assumir sua tarefa de controle social”, cita um trecho do livro.

Apesar de ter sido escrito há 30 anos, o livro de Naomi segue sendo absolutamente atual. O bombardeio de imagens de mulheres supostamente perfeitas cria ideais inatingíveis, uma vez que, mesmo as mais magras e lindas modelos, têm suas fotos submetidas a tratamento. Essa ação foi ampliada das revistas para as redes sociais.

O consumo excessivo desse conteúdo em aplicativos de fotos gera um distúrbio que foi identificado em 2019 e listado em artigo publicado pelo Journal of The American Society of Plastic Surgens.

Em busca da selfie perfeita, mulheres jovens estão se submetendo a procedimentos estéticos para alcançar os efeitos que aplicam em suas fotos para alcançar a  ‘perfeição visual’. É a chamada dismorfia Instagram. Esse problema pode se agravar durante o período de isolamento físico, já que as pessoas passam mais tempo conectadas e a tendência é que os indivíduos passem a se autoavaliar e procurar defeitos para que possam melhorar.

Mesmo antes do advento da tecnologia, a medicina já reconhecia a dismorfia corporal, distúrbio mental que faz com que a pessoa veja defeitos em seu corpo onde não existem ou se incomode com coisas pequenas, passando a buscar obsessivamente uma correção e um resultado que nunca será alcançado.

Integrante titular da SBCP (Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica), Alan Landecker afirmou que estima-se que de 5% a 15% das pessoas apresentem algum índice de dismorfia corporal, podendo chegar a até 53% entre as pessoas que procuram cirurgia de nariz. O transtorno ocorre com mais frequência na infância, adolescência e após a menopausa e, em maior número, afeta mulheres. “O que a gente percebe é que a dismorfia Instagram pode ser identificada tendo como gatilho a comparação das fotos que a pessoa tira com aquelas imagens tratadas com os filtros”, explicou.

Livrar-nos desse jugo de tentar nos enquadrar em um padrão inalcançável é fundamental para o exercício pleno da nossa liberdade. Que possamos nos olhar com amor e carinho, lembrando de todos os desafios que já enfrentamos e vencemos, todas as dificuldades superadas, e alcançar as belezas que temos dentro de nós.




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