Muito amor envolvido

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Miriam Gimenes

Marielza Lins de Oliveira, 46 anos, que sofre de doença autoimune, tinha um sonho: ver a formatura do filho caçula; corrente de solidariedade a ajudou a realizá-lo.

Marielza Lins de Oliveira, 46 anos, moradora de Ribeirão Pires, há pouco mais de um ano descobriu-se portadora de poliomiosite, doença autoimune progressiva. Dada a gravidade da doença, hoje ela só consegue se comunicar com os olhos. Mas as limitações físicas não a impediram de realizar o seu maior sonho: acompanhar a colação de grau do seu filho caçula, Igor, 17 anos, feita há pouco no Ribeirão Pires Futebol Clube, em noite de gala. Ainda que seus braços não pudessem abraçar o seu menino pela conquista, as lágrimas que escorreram de seus olhos, no momento em que recebeu a homenagem dedicada aos pais, diziam por si só. Emocionou a todos. Mostravam a gratidão por ter conseguido, com a ajuda de uma rede de solidariedade, realizar o que, a princípio, parecia inatingível. 

O feito surgiu por ideia de seu marido há 27 anos, Paulo José Oliveira. Ele, que passa toda noite com ela na Nobre Saúde, clínica em Santo André de cuidados paliativos, onde está internada desde novembro, a encontrou chorando. “Ela disse que foi na formatura de todo mundo, sobrinho, da nossa filha (Thayná, 24 anos), e que a dele (Igor, 17 anos) queria ir e não podia. Fiquei com aquilo na cabeça e mandei uma mensagem para um dos donos da clínica, se tinha como fazer algo por ela”, lembra. Dada a intensidade do pedido, trataram de realizar o de Marielza, que monta suas frases por meio de plaquinhas.  

A doença, descoberta há pouco mais de um ano, surgiu após ela achar que tinha problema na coluna. Chegou a operar, mas perdeu as forças nas pernas e depois nos braços. Foi internada em um hospital de Mauá, teve parada cardiorrespiratória e depois foi para UTI (Unidade de Terapia Intensiva). Como Paulo havia saído da empresa onde trabalhava, uma multinacional, o seu convênio ia expirar e, mesmo com ação judicial, ele não conseguiu o custeio no hospital, porque justificaram se tratar de uma doença pré-existente. Sua dívida chegou a R$ 1,2 milhão. “Conversei com colegas da empresa, que falaram com alguém lá dentro. Foi Deus. Esse alguém mandou me chamar e falou que ia pagar a dívida do hospital e levá-la para uma clínica. A trouxeram para cá e hoje ela está aqui”, conta. Neste meio-tempo, Paulo descobriu que está com câncer no intestino, passou por cirurgia e agora faz quimioterapia. Mas ele mantém a fé. “Mas está dando tudo certo, graças a Deus.”

Está mesmo. A preparação para o sonho de Marielza começou há pouco mais de um mês. “Esse pedido foi captado pela equipe de apoio, a área da psicologia, e a gente topou fazer o projeto. Primeiro fizemos uma adaptação do aparelho que seria usado para respiração mecânica. O que ela usa é bom, mas com uma vida de bateria curta. Foi trocado para um com bateria mais longa, que daria com folga para que não tivesse necessidade de ligá-lo na tomada.  Ela se adaptou nesse aparelho e, então,  foi feito um estudo logístico”, diz o clínico-geral da Nobre Saúde, Richard Rosenblat, que explica que doença de Marielza tem caráter hereditário. “Nós também visitamos o espaço onde seria a formatura, para ver a logística de onde ela ficaria alocada”, acrescentou a psicóloga que a ajudou neste sonho, Talita Ribeiro da Silva. 

Foi ela também a responsável pela preparação psicológica da paciente, que estava um tanto ansiosa. “Falamos para ela que quanto mais ficasse assim, mais seria difícil ela estar neste momento tão importante do filho. Mas conseguimos controlar, até para não ter problemas de respiração”, lembra. Foi necessária também a ambulância, que a levou para o evento, além de uma cadeira de rodas específica, emprestada por outra paciente do local, a Cristina. Marielza contou, de fato, com uma rede de solidariedade. 

No grande dia os preparativos começaram cedo. Depois de tomar banho, sua irmã Raquel Santana foi maquiá-la. Marielza, lembra a psicóloga, sempre foi vaidosa. As unhas feitas, vestido colocado, cabelo impecável. Tudo pronto para os profissionais – psicóloga, médico, enfermeiras e fisioterapeuta – colocarem Marielza na ambulância rumo à colação. 

Ao chegar no local era possível notar nos olhos desta mãe a expectativa. Embora Marielza não fale, seu olhar é bastante expressivo. É o olhar de uma mãe que busca seu filho na multidão. E foi em meio aos formandos, todos de beca, que Igor sentiu os seus olhos marejarem. O rapaz, que já havia falado para empresa de formatura a vontade de levar a mãe para o espaço, sentiu-se vitorioso. “Sempre sonhei em ver minha família toda aqui neste momento. Eu e minha mãe somos melhores amigos. Ver ela nesse momento é incrível para mim. Vou cuidar dela o tempo que for preciso.” Ao entrar no espaço de evento, não só os familiares festejaram o rapaz, como também toda equipe médica. 

E esta mãe ganhou visão total do filho, que feliz com os seus colegas de classe, a olhava e mandava beijos o tempo todo. Houve discurso, juramento, mas o que, de fato, arrancou lágrimas não só de Marielza, como já foi dito,  foi quando Ígor levantou de seu lugar e, com uma rosa em punho, a abraçou e a acarinhou com um beijo. Paulo, o tempo todo ao lado da mulher com quem dividiu toda sua vida, a afagava com um lenço e mostrava a satisfação de dever cumprido. Chegou a suspirar. Sua mãe, dona Iracema Lins de Carvalho, mostrava o mesmo sentimento – e em nenhum momento tirou a sua mão de cima da filha.

Thayná acreditava que, depois do diagnóstico da mãe, ela  jamais poderia participar de eventos, mas estava satisfeita com a realização. “Para gente, só de ela ter uma vida que não seja dentro de um quarto de hospital já é muito satisfatório. Não tenho nem palavras para falar a mãe que ela foi e é para gente, é muito emocionante.” E, ao final da formatura, após tirar fotos com os familiares, com os amigos de Igor e se preparar para entrar novamente na ambulância, Marielza era só gratidão: o sinal era dado com os olhos virados para cima. “Ela está agradecendo vocês”, explicou Paulo à equipe de reportagem. E acrescentou: “É impressionante como ela ficou bem durante toda a colação e está feliz agora. A saturação dela está muito melhor aqui do que dentro do hospital”. Para uma mãe, o impossível, de fato, não existe

 

 

 

 

 




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