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Miriam Gimenes
Dia desses li reportagem no Diário em que falava da ação de um grupo de pessoas que forma o Bonequeiras do ABC e, como o nome sugere, produz bonecas de pano e outros presentes – baleias, gatos, dinossauros, girafas, mantas etc – para idosos que ficam em casas de repouso da região e crianças atendidas por instituições assistenciais. E o que me chamou atenção foi a foto usada na capa do jornal, em que uma das idosas, ao ser presenteada, gracejava com a boneca como se ela fosse um bebê.
Em conversa com colegas de Redação descobri a história da professora Gisely Aparecida de Souza, 45 anos, de Santo André, que não consegui ouvir sem conter as lágrimas. Filha de Benedita Joaquim de Souza, 83 anos, começou a notar que a mãe dava os primeiros sinais do Alzheimer, doença progressiva que destrói a memória e outras funções mentais importantes, ainda em 2007. “Ela foge um pouco dos estudos do Alzheimer. Trabalhava na igreja, dava catequese, lia muito, fazia atividade física. Analisando hoje, depois de estudar muito sobre isso, acredito que entrou em um processo de depressão, que não foi percebido e desencadeou a doença degenerativa. Começou com esquecimentos”, lembra. Três anos depois teve de ir para uma clínica, porque a filha trabalhava e não podia mais deixá-la sozinha. “Cada ano ela ia tendo picos e perdas. Perdeu a mobilidade, a independência, até o momento em que não lembrava mais quem eu era”, diz, emocionada.
Depois de um tempo, perceberam que Benedita enrolava uma coberta e a segurava como se fosse uma criança. Foi então que a filha decidiu presenteá-la e teve uma surpresa. “Perguntei como se chamava a boneca que lhe dei e ela falou: ‘É meu bebê, é minha Gisely’. Ela não sabia quem eu era, não me reconhecia mais como filha, mas a boneca era eu. Isso foi muito forte. Hoje consigo falar melhor sobre isso, mas no dia foi complicado. Ainda faço terapia por conta disso.” Gisely diz que embora a mãe não a entendesse, sempre que ia visitá-la contava acontecimentos do seu cotidiano, como se ela estivesse com o cognitivo perfeito. “Às vezes eu chegava muito triste, chorava perto dela, que me acarinhava e olhava para mim. Nos olhos dela eu via, lá no fundo, que conseguia perceber que existia alguma ligação entre nós duas.” Benedita morreu no ano passado e a filha, que se tornou sua ‘mãe’ por certo tempo, ainda sofre ao falar sobre isso.
A gestora de atendimento ao idoso na Instituição Assistencial Nosso Lar, em Santo André – destino de parte das bonecas das Bonequeiras do ABC –, Ieda Cristina Michelin Albertassi, que também é psicóloga, diz que o brinquedo tem duas funções para as idosas. A primeira delas é suprir algo que na infância não tiveram, que no caso das meninas geralmente são bonecas, e, a outra, é a falta dos filhos. “Principalmente as que estão em processo de demência, fazem a substituição materna, em alguns casos até de filhos que já morreram, mas que na cabeça delas ainda são crianças. Elas perdem a memória recente, mas as sensações ficam.” Não só as sensações, como também o amor de mãe, que, além de forte, é eterno.
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