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Vinícius Castelli

Virado à paulista se torna patrimônio imaterial do Estado e é reproduzido pelo chef de Santo André Arthur Sauer

Basta andar alguns poucos quarteirões no Centro de São Paulo, na região das ruas 24 de Maio e 7 de Abril, perto do Theatro Municipal, para ver os cardápios dos vários restaurantes com a opção do virado à paulista. Aliás, não só lá. Afinal, em qual cidade não há essa receita que é tão tradicional? Servido às segundas-feiras, é um belo prato, digno de foto, preparado sem miséria com feijão, farinha, arroz branco, bisteca de porco, ovo e banana fritos, couve refogada bem verdinha, linguiça e, é claro, torresmo. Quem prova come de novo. E quem vê comendo quer pedir.

Segundo documentos, o prato surgiu por volta dos anos 1600, mas a composição era outra: o preparo tinha feijão, farinha de milho ou de mandioca e toucinho. A receita servia, principalmente, para alimentar os bandeirantes durante as viagens. Ao longo das expedições, os ingredientes chacoalhavam e ficavam revirados. E foi isso que deu origem ao 'virado'. Depois de centenas de anos de seu surgimento, o virado à paulista segue sendo preparado incansavelmente e agora, assim como o samba paulista, é Patrimônio Imaterial do Estado de São Paulo, cujo título é reconhecido pelo Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Governo do Estado de São Paulo).

De acordo com o parecer técnico da Unidade de Preservação do Patrimônio Histórico, que pautou a decisão do Condephaat, o registro do virado à paulista pode ampliar a visibilidade de uma característica marcante na história da cidade, que é “a integração de culturas de diversas procedências, ainda que historicamente marcada por confrontos, dominações e resistências. Este prato expressa, em sua composição, demonstração da diversidade cultural característica de São Paulo”.

E para celebrar o feito, a Dia-a-Dia convidou alguém da região para prepará-lo. Vencedor em 2015, aos 33 anos, da edição de estreia do reality show de gastronomia Cozinha Sob Pressão, do SBT, o chef andreense Arthur Sauer fez, com exclusividade, um 'senhor' virado à paulista. Para ele, o mais difícil do que reinventar algo é surpreender quem come com a receita tradicional, de fato. E foi o que fez. “Gosto muito do clássico porque se é clássico é bom. Tem um chef que fala que é mais difícil agradar com um simples prato”, afirma. Para Sauer, toda receita clássica influencia a fazer, pensar outros pratos. “É muito mais fácil deixar alguém surpreso com algo que você nunca comeu na vida, mas com um virado à paulista...”

O chef andreense de 37 anos, aliás, gosta mais de apreciar o paladar da cozinha brasileira do que preparar receitas locais. “Sou voltado à gastronomia francesa e à italiana. Adoro comida brasileira, mas não gosto muito de fazer. Sou fã de comida mineira, paulista. Sou mais consumidor do que fazedor”, confessa.

CARREIRA

Formado na França, pelo Institut Paul Bocuse, em Lyon, Sauer ganhou experiência em países como Estados Unidos, Bélgica e Itália. Hoje é dono, em São Paulo, da hamburgueria L.E. Burger, que está com as portas abertas desde o início do ano passado. Além do cardápio, que conta com opções como o Le Geek, preparado com hambúrguer da casa de 160 gramas, com fatia bem grossa de queijo coalho empanado com farinha panko, crispy de cebola e pão de brioche, o L.E. Burger chama a atenção por outra razão: sua decoração geek. “É voltada ao público nerd. Eu sou nerd. Tenho extensa coleção de brinquedos, com mais de 100 mil itens”, diz Sauer. A ideia, segundo ele, é servir principalmente esse público. “Eles não têm local para ir comer. Não tem um restaurante para eles. Sou gordinho e todo gordinho gosta de hambúrguer”, brinca.

Mas suas atividades vão muito além de capitanear a hamburgueria. Prestes a ser papai de novo – ele tem uma filha de 12 anos – dos gêmeos Marco e Luca, que devem chegar em abril, Sauer divide seu tempo com diversas atividades. No Grande ABC, o chef presta consultoria em dois locais. Um deles fica em São Caetano, o Alameda 7, onde preparou o virado à paulista para a reportagem. O local, aliás, segundo diz o profissional, está com cardápio novo. O outro espaço que conta com a consultoria do andreense é o recém-inaugurado Il Capo Pub & Restaurant (www.ilcapo.com.br), que fica em Santo André. “Tem comida italiana de forma geral. A ideia é ser um gastro bar. A pessoa vai para comer e pensa se fica para tomar uma cerveja ou vai para tomar algo e pensa se fica para apreciar os pratos”, explica.

Além disso, ele também está com o rosto estampado nas telas de TV. Para vê-lo, basta acessar na TV Gazeta o programa Mulheres, que vai ao ar de segunda a sexta-feira, a partir das 14h. Ele participa sempre de terça-feira, de 15 em 15 dias. Lá o profissional dá dicas gastronômicas e ensina o preparo de diversas receitas. Almôndegas de carne de porco, rosbife com mil folhas de legumes e até uma receita de 'bolovo', com carne moída, são algumas que ele já ensinou. “Televisão é algo muito legal. O pessoal acha que é fácil, mas não é. Tem todo um preparo antes. E na TV Gazeta fazemos ao vivo. Bem diferente de quando é gravado. Lá é 'valeu, valeu'”, explica o cozinheiro, que está nessa há seis meses. “Como o programa é à tarde, pega mais dona de casa e quem está de férias. Mas são pessoas que consomem gastronomia”, diz.

Ainda no universo da TV, ele relembra do Cozinha Sob Pressão, do qual saiu campeão em 2015. Para ele, aquele episódio de sua vida foi um divisor de águas, assim como será também quando chegarem os gêmeos. “Acredito que temos vários divisores na nossa vida”. Ele diz que participar do reality show foi uma experiência muito legal, diferente. “Tudo foi muito bem organizado e benfeito. Lá você pode se queimar, fazendo algo feio, ou o programa pode te levar às alturas. E só depende de você, da sua dedicação, do que você sabe”, explica.

Além da paixão por brinquedos e da família, a vida de Sauer gira em torno de comida. Come o tempo todo e fala disso o dia inteiro. Quando viaja, sempre busca experimentar pratos diferentes. “A globalização acaba com essa brincadeira. Você pode ter um prato alemão, austríaco, na porta de casa”, reflete. Mas, mesmo assim, ele diz que uma série de fatores, quando se está em outro local, faz a diferença quando se trata de comida. “Tem um hotel na Áustria que serve uma torta e só tem lá. Você vai só para comer isso. Tem todo um contexto. É a mesma forma há 200 anos. Comida traz umas experiências muito legais. É meio como a música. Aposto que você já viajou para algum lugar e se lembra de um prato que te marcou.”

E por falar em prazer, ele sabe separar bem o prazer de cozinhar com o trabalho. “Para mim são coisas diferentes. Com prazer eu faço em casa. No restaurante é profissional. Lá não tenho o tempo necessário, é algo mais mecânico. Em casa posso engrossar um molho etc”, diz. Ele confessa curtir mesmo é preparar as coisas. “Gosto de limpar peixe, fazer e esticar a massa, limpar uma carne.” Ele acredita que se há um pré-preparo benfeito, “dificilmente uma cozinha vai atrasar os pratos.”

Quando o assunto é a profissão, o chef diz que passa longe de buscar fama. Ele procura a felicidade por meio da cozinha. “Não vejo outro meio de ser feliz sem ser com gastronomia. É gratificante. Não trocaria minha profissão por nada”. Aliás, para quem está começando ou pensa em caminhar na estrada da gastronomia, Sauer deixa uma dica: “Cozinhe muito e não espere retorno financeiro tão cedo. Chef é um cargo. A profissão é cozinheiro. A gente está chef”.

Confira a receita:

 

Virado à Paulista

Você precisará de quatro preparos, além de banana a milanesa, torresmo, linguiça salteada e ovos.

 

Feijão

- 100 g de bacon picado

- 1 dente de alho picado

- 1/2 cebola picada

- 300 g de feijão cozido

- 100 g de farinha de mandioca

- 20 g de sal

- Salsinha picada

Modo de Preparo

Frite o bacon até que fique crocante sem adicionar nenhuma gordura. Acrescente alho, cebola e feijão com o caldo. Polvilhe a farinha de mandioca aos poucos até obter um pirão úmido. Acerte o sal e coloque a salsinha picada.

 

Bisteca

- 20 ml de azeite

- Suco de 1/2 limão

- 20 g de sal

- Raspas de 1 limão

- 500 g de bisteca suína

Modo de Preparo

Em uma travessa, faça uma marinada com metade do azeite, suco de limão, sal e metade das raspas de limão. Leve à geladeira por 30 minutos. Aqueça a outra metade do azeite em uma frigideira e frite as bistecas até dourarem.

 

Farofa de alho

- 5 ml de óleo

- 10 g de manteiga

- 1/2 cebola picada

- 2 dentes de alho picado

- 100 g de farinha de mandioca

Modo de preparo

Aqueça o óleo com a manteiga em uma frigideira. Refogue a cebola e o alho picados depois adicione a farinha de mandioca. Mexa bem e cozinha até a farinha dourar.

 

Couve mineira

- 1 maço de couve manteiga

- 1 dente de alho picado

- 20 ml de azeite

- 10 g de sal

Modo de preparo

Retire os talos das folhas e empilhe uma folha sobre a outra. Enrole as folhas e corte a couve bem fininha. Aqueça o azeite e refogue o alho. Adicione a couve e misture bem. Cozinhe até que ela murche. Acerte o sal e reserve.

 

Montagem

Sirva o arroz branco com o virado ao lado. Coloque as bistecas com dois ovos fritos por cima. Sirva a farofa de um lado com as bananas a milanesa, o torresmo e as linguiças fatiada.

 

 




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