O Sorriso de Dona Lu

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Miriam Gimenes

Considerada a obra de arte mais importante da história, a pintura de Mona Lisa, feita por Leonardo Da Vinci entre 1503 e 1506, atrai de pronto. Quem tem a oportunidade de visitá-la no Museu do Louvre, em Paris, pode até estranhar o seu tamanho ­– bem pequeno, diga-se –, mas não consegue tirar os olhos de seu sorriso, considerado por muitos como misterioso. É algo hipnotizador. Poder semelhante tem a expressão de Maria Lúcia Guimarães Ribeiro Alckmin, mais conhecida como dona Lu, a primeira-dama do Estado. Detentora de uma sensibilidade que salta aos olhos, ela derrama lágrimas na mesma proporção que sorri e consegue, com apenas uma mu­dança de expressão, expor sua alma.  “Às vezes me emociono, mas você pode ver: posso chorar, mas em dois minutos estou sorrindo. Sou uma pessoa realmente muito feliz.”

Ela, que tem 65 anos, atribui essa dádiva à família que formou ao lado do governador Geraldo Alckmin (PSDB), com quem é casada há 38 anos e teve três filhos – Sophia, Geraldo Junior e Thomaz (que faleceu em 2015, após um acidente de helicóptero) –,  aos seis netos e, principalmente, por conta do trabalho voluntário que faz no Fundo Social de Solidariedade do Estado de São Paulo, o qual é presidente. Trata-se do seu sonho de criança, que nasceu por conta do exemplo que teve em casa. “Sou de uma família numerosa, meus pais tiveram 11 filhos e pegaram mais um para criar. Então nós éramos 12 e nunca nos faltaram amor, carinho e minha mãe ainda tinha tempo de cuidar das pessoas carentes. Eu sou a sétima, então quem não ama a mãe? Minha mãe (que faleceu em 1995) foi meu modelo de solidariedade.”

E eis que a oportunidade apareceu. A primeira vez que pôde ajudar ao próximo de forma voluntária foi à época em que o marido era prefeito de Pindamonhangaba, na década de 1970. A segunda, em 2001, quando Geraldo, então vice-governador, assumiu o Estado depois da morte do ex-governador Mário Covas. E foi então que começou a implementar seus projetos sociais. “No ano 2000, quando  era voluntária da dona Lila Covas, eu estava andando pela periferia, conversando com as mulheres e elas não prestavam atenção. Até que uma delas falou para mim: ‘Dona Lu, estou com fome, ainda não comi hoje’. E eu falei: ‘O que posso fazer por vocês?’. Aquilo me cortou o coração. Elas falaram: ‘Nós queremos comer pão’. Não esqueci disso”, lembra, emocionada. 

Pelos meandros do destino, ela teve de presidir o Fundo, e nasceu, então, o pioneiro dos seus projetos, o da Padaria Artesanal. “No primeiro dia que assumi chamei a equipe e disse para desenvolvermos o projeto para ensinar a população a fazer pães, porque foi isso que elas me pediram.” De 2001 a 2006, foram implantadas 9.000 padarias artesanais, nos 645 municípios do Estado de São Paulo e em mais 2.000 entidades na Capital. Dona Lu gerenciou o trabalho até 2006 e retomou em 2011, quando o marido foi reeleito. Durante o curso, que dura um dia, os alunos aprendem a fazer dez tipos de pães.   

Com a sua volta ao Palácio dos Bandeirantes, ela também implementou outros projetos, entre eles a Escola de Moda (com cursos de corte e costura, modelagem, bordado em linha, bordado em pedraria, crochê e confecção de caixas), a Escola de Beleza (assistente de cabeleireiro, depilação, design de sobrancelhas, manicure e pedicure e maquiagem) e a de Construção Civil (assentador de pisos e azulejos e pedreiro). Eles oferecem qualificação profissional rápida e gratuita e dão a oportunidade a pessoas desempregadas a resgatar sua autoestima e retornar ao mercado de trabalho. De 2011 até agora, todos os cursos, incluindo o de padaria, já qualificaram mais de 160 mil pessoas. 

E o que te move a fazer esse trabalho diariamente? “É que sempre fiz com muito amor. E dia 2 de abril (de 2015) Deus levou meu filho e ele amava o trabalho que eu fazia. Na hora que fiquei sabendo que ele partiu  pedi a Deus que me desse sabedoria, pudesse entender a partida dele. No mesmo instante Ele me mostrou que Thomaz tinha ido porque ele já tinha cumprido a missão dele aqui na Terra. Então, a partir daquele momento eu pensei: ‘Se eu fazia o trabalho social com muito amor, eu vou fazer com três vezes mais amor, porque foi a forma que encontrei de mantê-lo vivo’. Quando ouço os testemunhos: ‘Dona Lu, estou reformando minha casa’, ‘estou costurando’, ‘posso trabalhar de casa e cuidar da minha mãe doente’, eu falo: ‘Thomaz, é você que está fazendo através de mim’. Então sinto como se ele estivesse mais presente que antes. Porque ele não está fisicamente, mas está espiritualmente.”

Dona Lu sempre se emociona ao falar dele, mas diz que em nenhum momento teve depressão. “Tenho saudades, mas nenhuma tristeza. Porque  tenho uma fé inabalável em Deus e sei que estamos aqui de passagem, e que Ele poderá nos chamar a qualquer momento. E a hora que me chamar a única riqueza que levaremos é o amor ao próximo. Isso para mim é tudo. Eu amo o trabalho social. Deus fecha uma porta, mas abre duas janelas. Sou casada com o homem que amo,  que   admiro, tenho ainda dois filhos, e o Thomaz espiritualmente, seis netos... Sou muito grata por tudo que Ele já me deu e continua me oferecendo, inclusive esta oportunidade de realizar meu sonho de criança.”

CORRENTE DE AMOR

Em toda formatura dos cursos a primeira-dama faz o mesmo discurso. “Digo: ’Vocês fazem esse curso de graça e, por isso, posso fazer um pedido? Que cada um de vocês faça de graça aquilo que aprenderam para alguém que tem menos que vocês. Compre um tecido e costure um vestido para uma jovem com pouca renda ou vão a um asilo cortar o cabelo de um velhinho, façam suas unhas. E se alguém perguntar quanto custa o serviço, faça o mesmo pedido que eu’. Porque ninguém é tão rico que não possa receber nem tão pobre que não possa dar.” Em uma das conversas que teve com uma ex-aluna da Construção Civil – sim, as mulheres têm procurado bastante este curso ­– ela disse que reformou a sua casa e, depois que terminou, seguindo o conselho de dona Lu, pegou um ônibus e foi para a Bahia ajudar um amigo a construir a casa dele. Isso, aos olhos dela, é ‘disseminar amor’. 

E, enquanto isso, a lista de espera de pessoas interessadas em fazer os cursos chega a 19 mil. Por isso não pensa em implementar um novo projeto até o fim de 2018. “Quero atender todas estas pessoas. Não adianta criar novas coisas, mas sim continuar o que a gente está fazendo.” A equipe de reportagem esteve com ela no último dia do curso de corte e costura e bordados e pôde presenciar a alegria das alunas com a conclusão do aprendizado. Além de elogiar a primeira-dama, que estava com um vestido produzido há dois anos pela escola – cuja estampa, feita pela confecção Di Grecco, foi desenhada por dona Lu –, elas também pediam para ter outros tipos de cursos, já que haviam gostado muito daquele. (Veja a história de uma delas no quadro abaixo). 

As peças que são produzidas durante o ano, com o tecido da confecção já mencionada e a doação feita pela estilista Adriana Barros, são vendidas em um bazar no fim do ano e, o dinheiro, revertido para o Fundo. 

 

PRIMEIRA-DAMA

Dona Lu já tem uma experiência e tanto no cargo de primeira-dama e diz que sua grande mentora foi dona Lila Covas. E como define esta função? “Eu digo que não faço pelo Geraldo. É ele quem me dá oportunidade de realizar esse meu sonho. É lógico que tenho uma admiração profunda por ele, estarei sempre ao lado dele onde estiver. Mas acho que na nossa vida temos de ser inteiros. Se estou lá com as alunas (dos cursos) jamais estou pensando no Geraldo ou nos meus netos, ou o que vou fazer quando voltar para casa. Sei que a nossa vida é muito rápida e não adianta pensar no passado. Passado serve para nos ensinar a ser melhores, o futuro, não sei nem se a gente chega até amanhã. Então temos de viver o presente, o agora, que é o que nos temos, a realidade. Procuro estar sempre inteira no que faço.”

Ela lembra que a filha, Sophia, viajou há pouco com o marido e deixou as duas filhas sob sua tutela. “Eu saia todos os dias cedo, mas quatro horas (da tarde), quando chegava, desligava meu celular e ficava só com elas até irem dormir. Brincando, conversando... Levei no show da Monica, no sítio, fomos pescar. A gente tem de ser inteiro naquilo que faz. Quando estou com o Geraldo é a mesma coisa. Só à noite que conseguimos conversar, no jantar. Ele me conta como foi o dia, eu conto o meu. Temos de estar presentes com as pessoas que nós amamos. E graças a Deus eu amo a todos. Sempre falo que a força que tenho são as pessoas que me dão. Cada vez que me emociono, me fortalece. Tenho certeza de que minha vida está valendo a pena.” E nestes encontros com o marido a política não está em pauta. “Não, não conversamos sobre isso. Temos tão pouco tempo para estarmos juntos...” 

E sonha em um dia ser a primeira-dama do País? “É o que eu disse. Não sei nem se vou estar viva amanhã. Sonho em continuar esse trabalho que amo. Não penso nisso. Aprendi com os meus pais a focar, porque quando a pessoa fica pensando na outra coisa  deixa de fazer o que está fazendo. Se você não semear seu presente, não terá futuro. Agora estou muito feliz, já me basto. Estou fazendo não para ganhar algo no futuro, estou fazendo porque isso me dá paz.” Questionado em março deste ano se pretendia concorrer novamente à Presidência – o fez em 2006 e perdeu para Luiz Inácio Lula da Silva (PT) –, Alckmin disse ‘que estaria mentindo se dissesse que não’.

ROTA DA LUZ

Há pouco mais de um ano, dona Lu, que é católica ferrenha – anda com as imagens de Nossa Senhora Aparecida no pescoço e no pulso e as exibe com orgulho – inaugurou a Rota da Luz. Ela surgiu após uma demanda dos romeiros que faziam a pé a peregrinação às margens da Via Dutra até a cidade de Aparecida. O projeto (www.rotadaluzsp.com.br), que integra o Programa Caminha São Paulo, tem 201 quilômetros e passa por Mogi das Cruzes, Guararema, Santa Branca, Paraibuna, Redenção da Serra, Taubaté, Pindamonhangaba, Roseira e Aparecida. 

Os olhos da primeira-dama brilham ao falar da rota a qual virou madrinha e percorreu durante uma semana.  “O Thomaz falava: ‘Mãe, quando a senhora for fazer essa caminhada eu vou de moto ou a cavalo (se emociona). Quando eu estava quase completando o (projeto do) percurso ele partiu. Então a gente trabalhou para concluir essa rota. Um ano após a partida dele, no dia 2 de abril, teve a missa (de inauguração) e a partir do dia 3 eu sai para caminhar, durante uma semana.” 

Ela lembra que tinha dias que chegava quase se arrastando na pousada, mas em nenhum momento teve preguiça. “(No percurso) Aconteceram coisas emocionantes. Você vê que a gente não precisa de muitas coisas para ser feliz. Sempre tive uma fé em Deus inabalável. (Depois de fazer a rota) Fiquei mais forte ainda, mais acreditando em Deus. Foi maravilhoso. A gente ria, chorava, rezava, foi muito bom. Tem testemunhos de pessoas que caminharam com a gente que mudaram a vida delas desde então. Isso é emocionante”. Dona Lu diz que até os comerciantes locais têm visto resultado com a implementação do percurso. 

Como é fácil prever, por gerenciar  todos esses projetos ela tem pouco tempo livre na agenda. Mas as horas que restam ela preza por ficar com a família – paparicar os netos, confessa – e ler os seus livros. O que está em sua cabeceira, no momento, é Jardim de Inverno, de Kristin Hannah, presente de uma das alunas dos cursos feitos pelo Fundo Social. 

E guarda, na sua intimidade, o que deseja para o futuro. “Quero isso que eu faço todos os dias, escutar esses depoimentos lindos, ver a felicidade nos olhos das pessoas, trazer felicidade, saber que eu faço parte, porque  sozinha não sou nada. Não adianta fazer um muro em volta de nossa família e achar que estamos bem. Temos de construir pontes, pontes de união com as pessoas.” Como disse Madre Teresa de Calcutá, “a todos que sofrem e estão sós, dai sempre um sorriso de alegria. Não lhes proporcione apenas os vossos cuidados, mas também o vosso coração.”  Se ainda não desvendaram o mistério do sorriso de Mona Lisa, o de dona Lu, agora, ficou bem claro.

‘realizei um sonho’

Durante dois meses, a cozinheira Margarida Rita Oliveira da Silva, 52, encarava uma ‘viagem’ de Pirapora do Bom Jesus até o Palácio dos Bandeirantes para fazer o curso de corte e costura. “O meu sonho era aprender a costurar. Consegui realizá-lo aqui. Teve dia de eu não ter dinheiro para passagem (gastava R$ 60 ida e volta), mas peguei até emprestado para não faltar. Já que estou desempregada, vou abrir uma oficina de consertos em casa.




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