A herança do Bangu e dos Pretos do Palestra

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Ademir Medici

Ninguém melhor do que o historiador e colaborador do Diário, Ademir Medici, para resgatar do fundo do baú os primórdios e a história do samba aqui na região. Confira abaixo.

O cordão do Bangu deixava o morro sambando. Descia pela Rua Oratório. Cruzava a Avenida dos Estados pela Avenida Antonio Cardoso. Atingia o Centro de Santo André, na estação ferroviária. Subia a Coronel Oliveira Lima. Passava pelo Largo da Estátua até chegar a Senador Flaquer, em frente ao Cine Carlos Gomes.

Ali caprichava ainda mais na bateria, no pula-pula infernal, para alegria do povo que, não resistindo, entrava no samba e não saia até o dia raiar. O ano? 1930, 1940, 1945, mil novecentos e... “Oh jardineira porque estás tão triste, mas o que foi que aconteceu? Foi a Camélia que caiu do galho, deu dois suspiros e depois morreu...” O Bangu, como bloco carnavalesco, morreu em 1945, em 1946. Para tristeza de muitos, para desencanto dos foliões que, ‘durante 15 anos’, pularam no Bangu e foram campeões junto com o cordão.

Os criadores do cordão do Bangu foram cariocas. Eles moravam numa espécie de colônia do antigo Matadouro dos Martinelli. Vieram do Rio para Santo André para trabalhar no matadouro, que ficava na nascente Vila São Pedro e que depois foi incorporado pelo Frigorífico Swift.

Como lazer, os cariocas do matadouro criaram um time de futebol, o Rodrigues Porto, nome de um dos líderes dos operários. O mesmo time trocou de nome pelo menos duas vezes, para Palmeiras e para Bangu – numa alusão ao clube carioca. O time, anualmente, se transformava em fevereiro, por ocasião do Carnaval. Nascia o cordão, que daria origem ao apelido da Vila São Pedro: Bangu. Bangu nunca foi nome oficial de bairro em Santo André. Mas graças àqueles trabalhadores sambistas incorporou-se à cultura da cidade, conquistando adeptos – pois nem todos eram cariocas.

Assim, mesclavam-se nomes como o de Luciano Bucci, Ramiro Simões, Alexandre Voltan, o Corvo, o Du, o Zé Varanda, o Felício Lopes, o Cariocão, o Monteirinho, o Filó (pai do Edu, ex-ponta-esquerda do Corinthians), o Baianinho e o Teleco – os dois últimos também ex-jogadores da equipe principal do Corinthians.

OS MINEIRINHOS BOM DE BOLA E DE SAMBA
Quando o Bangu estava encerrando suas atividades carnavalescas, firmava-se em São Bernardo os passistas do Palestra local: Nandinho, Carabina, Lilico, Geraldão, Waldemar, Teleco, Tesoura, Fubá, Torpedo... Eram os ‘pretos do Palestra’, trazidos em especial de Minas Gerais para jogar futebol.
Fizeram história, num tempo de alta rivalidade com outro time da cidade, o Esporte Clube São Bernardo, este mais conhecido por ser o clube da elite, das oligarquias locais.

Tempo do amadorismo. Assim, os bons de bola vinham do interior para jogar. A sobrevivência vinha dos empregos nas fábricas de móveis arranjados pelos dirigentes – que sempre conseguiam liberação para os treinos no fim da tarde no campo que ficava, imaginem!, em plena Rua Marechal Deodoro, onde está a Praça Lauro Gomes; também o campo do Esporte, o Estádio Ítalo Setti, ficava na Marechal, pouco abaixo do Largo da Matriz.

A rivalidade no futebol e a diversão no Carnaval, com os desfiles pela Rua Marechal Deodoro. Com os “pretos do Palestra” – todos radicados em definitivo na cidade – nasceria, duas décadas depois, o chamado Carnaval Oficial da cidade que, aos trancos e barrancos, é mantido até hoje, com as várias escolas espalhadas pela cidade.

OS FILHOS DOS MIGRANTES E O NOVO SAMBA DO ABC
Uma história ainda a ser sistematizada é a do Carnaval de Rua de cidades como Santo André, São Bernardo, Diadema e Mauá, cada qual com suas características e que sempre impediram a ideia de um Carnaval único no Grande ABC – que consideramos uma utopia.
Do Ocara de Santo André a São Leopoldo de São Bernardo, da Vila Alice de Diadema a Ordem e Progresso de Mauá, o Carnaval que aqui se pratica nasce do samba urbano e industrial do Grande ABC.

Uma pesquisa que se fizer vai mostrar que os novos sambistas são filhos do Grande ABC, diferentemente dos migrantes que denominaram um bairro em Santo André e criaram o slogan que nada tem de preconceituoso dos “Pretos do Palestra”. E mesmo antes dos cariocas do Bangu e dos passistas do Palestra, cada uma das sete cidades, mesmo distritos ou bairros do antigo São Bernardo, tinham o seu samba e o seu Carnaval.

O batuque das religiões afros já era ouvido por aqui em tempos imemoriais em que a Igreja Católica abominava tais práticas. Mas estas sobreviveram. No Carnaval, a influência dos grandes centros, e as animações de espaços mesmo em bairros, como Rudge Ramos, o antigo Meninos, e Santa Terezinha, no II Subdistrito de Utinga, graças aos serviços de alto-falantes. Recentemente recebemos a informação que um antigo publicitário de Santo André guarda os discos originais do Serviço de Alto-Falante do Centro de Santo André, da Rua Senador Flaquer onde o Cordão do Bangu se apresentava.

Imaginem um retorno aos anos 1940 daquelas cornetas colocadas nos altos dos postes de concreto! Uma verdadeira viagem no tempo que antecedeu a chegada das primeiras quatro emissoras AM oficiais de rádio, das quais uma única resiste – esta investindo não no samba deste ano secular, mas no chamado sertanejo que pouco tem a ver com a pureza das antigas duplas migrantes que também descobriram o Grande ABC.




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