Descubra a África do Sul

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Soraia Abreu Pedrozo

 Na primeira metade de 1994, há 22 anos, nós, à época, 159,4 milhões de brasileiros, estávamos ansiosos por dois motivos. Um deles era a transição de nossa então moeda vigente, o cruzeiro real, para o real, passando pela provisória URV. O objetivo era banir a inflação estratosférica que acumulava 757,2% nos primeiros seis meses daquele ano – para efeito de comparação, de janeiro a junho de 2016 o índice soma 4,42%. Outro, era a performance da Seleção Canarinho na Copa do Mundo dos Estados Unidos, em sua 15ª participação. A expectativa por quebrar hiato de 24 anos sem títulos e ganhar o tetracampeonato era latente. Com camisetas verde e amarela, torcemos muito para que o italiano Roberto Baggio errasse a cobrança de pênalti. O resultado superou as expectativas, já que a bola foi para fora. Lotamos as ruas, com misto de lágrimas nos olhos e gritos de “é tetra”, num Carnaval fora de época.

Pois na mesma metade de 1994 os então 38 milhões de sul-africanos também foram às ruas, igualmente com misto de lágrimas nos olhos e gritos, mas de “liberdade”, para celebrar o fim do Apartheid, instaurado em 1948 e que deixou inúmeras chagas na população do país, composta majoritariamente por negros (80,2%), e minoritariamente por brancos descendentes de ingleses e holandeses (8,4%). Isso sem contar os mestiços – chamados de colored people (8,8%) e os asiáticos – indianos e chineses (2,5%).

Durante os 46 anos em que o bárbaro regime de segregação racial vigorou, a maioria das pessoas teve de deixar seus lares em bairros centrais para se mudar para áreas periféricas e precárias, e habitar as chamadas townships, similares às nossas favelas, de onde só poderiam sair com passe que as autorizasse, por exemplo, para trabalhar na casa de brancos e por horário determinado, já que havia espécie de toque de recolher.

No dia 17 de abril de 1994, no entanto, tudo mudou. E o Dia da Liberdade começou a ser comemorado na data, quando, pela primeira vez em sua história, todos os sul-africanos, sem exceção, puderam votar. Foi quando também se deu por encerrado período de quatro anos de guerra civil promovida pelo governo do Apartheid, entre representantes de dois partidos de origem negra, o CNA (Congresso Nacional Africano) – do grupo étnico xhosa, cujo integrante ilustre é Nelson Rolihlahla Mandela – e o Inkatha – dos zulus, maior etnia sul-africana. A inédita eleição multirracial atraiu tanta gente que os três dias previstos para a votação tiveram de ser ampliados para quatro. Foi quando Mandela, com 27 anos de prisão (por lutar pela igualdade racial e ser acusado de fomentar greves, sair do país sem autorização, cometer sabotagem e conspirar para que outras nações invadissem o território sul-africano) e um Prêmio Nobel da Paz (conquistado em 1993) no currículo, se tornou, aos 76 anos, o primeiro presidente negro da África do Sul.

“Chegou o momento de sarar as feridas. Chegou o momento de transpor os abismos que nos dividem. Chegou o momento de construir. (...) Assumimos o compromisso de construir uma sociedade na qual todos os sul-africanos, quer sejam negros ou brancos, possam caminhar de cabeça erguida, sem receios no coração, certos do seu inalienável direito à dignidade humana: uma nação arco-íris, em paz consigo própria e com o mundo. (...) Os seus sonhos tornaram-se realidade. A sua recompensa é a liberdade”, disse Madiba, como é chamado carinhosamente pelos sul-africanos, em seu discurso de posse. Em toda sua trajetória, o herói da luta dos negros pela igualdade, que morreu em 2013, nunca pregou ódio, vingança ou preconceito com os brancos.

O caminho da igualdade, porém, após anos de segregação, ainda é longo. Na África do Sul de 2016, ainda se vê vestígios de disparidade social. Cargos de chefia, mesmo que na gerência de um hotel ou de loja de departamento, são ocupados por cidadãos de pele branca. E isso é fruto de décadas de cerceamento à educação. Com problemas semelhantes aos do Brasil, o acesso aos estudos é, em pleno século 21, privilégio dos mais abastados. Os filhos daqueles que sofreram com a falta de acesso à informação, lá atrás, seguem pagando preço alto por isso.

Mas, assim como nós, o povo sul-africano é alegre, educado e tem musicalidade correndo em suas veias. Ao visitar o país, não raro o turista se deparar com danças e canções tribais que remetem às suas origens. A identificação com as nossas raízes africanas é imediata. Talvez, por isso, nos sentimos tão à vontade num país tido como exótico aos brasileiros, mas que, na verdade, é bastante similar. Inclusive, o passeio surpreende a todo momento, pois apesar de ter um Apartheid na conta, em muitos momentos a impressão que passa é que eles estão muito à nossa frente.

Desmistifique o exuberante destino

Passada introdução à história recente sul-africana, essencial para saborear melhor a visita a essa encantadora nação, é hora de saber por onde começar a desbravar as maravilhas locais. O país, a propósito, é bela porta de entrada do continente africano, berço da humanidade e conhecido mundialmente por suas savanas e rica vida selvagem.

Muita gente, ao ouvir falar sobre África do Sul, remete ao Apartheid, ao Mandela e aos safáris “perigosos”. E outros tantos pensam que turistas vão se deparar com pobreza desenfreada, doenças contagiosas correndo e vão correr o risco de trombar com elefante ou leão. Muita gente também chama a África do Sul de África. Aos locais, soa mais ou menos como quando conhecemos europeus em uma praia do Caribe e eles nos deixam boquiabertos ao achar que no Brasil neva, que nossa capital é Buenos Aires (da Argentina, na verdade), que macacos vivem nas cidades, assim como nossa ‘populosa’ nação indígena. Ou nos irritam ao achar que todo brasileiro sabe sambar e é fanático por Carnaval e futebol.

Falsos rótulos à parte, a África do Sul promove sucessão de surpresas diante de sua natureza exuberante e diversa. Além de admirável infraestrutura. O ‘home sweet home’ (lar doce lar) de personalidades como a atriz ganhadora do Oscar Charlize Theron, da supermodelo e Angel da Victoria’s Secret Candice Swanepoel, da cantora Miriam Makeba, a Mamma Africa, ganhadora do Grammy, e do fotógrafo ganhador do Pulitzer Kevin Carter, imortalizado por foto de um urubu e uma criança faminta no Sudão, é destino cheio de peculiaridades. A começar pela quantidade de idiomas oficiais, são 11 ao todo, mais a linguagem de sinais, inserida na Educação Básica. Cerca de 90% da população se expressa em inglês e o dialeto sul-africano mais falado é o zulu, por 22,7%, seguido pelo xhosa, de Mandela e outros 16%.

Mesmo para quem está habituado a falar em inglês, vai notar que a pronúncia é diferente, pela fusão do acento de seus dialetos com a colonização britânica, principalmente no interior do país. Tanto que, em alguns momentos, é um difícil compreender e ser compreendido ‘de primeira’, nada que uma nova tentativa não resolva. Os sul-africanos costumam ser pacientes e amáveis com isso.

ACESSÍVEL

Considerando que os preços dos produtos e serviços são similares aos do Brasil e, às vezes, até mais baratos, trata-se de destino viável economicamente para nós. Embora cada rand, que é a moeda local, custe R$ 0,28, na conversão dá mais ou menos os mesmos preços. Por exemplo, um chocolate de 15 rands, na verdade, vale R$ 4. Quem levar dólar precisa trocar nas casas de câmbio, pois os comércios em geral só aceitam rands. Um dólar, que vale hoje cerca de R$ 3,40, vale 13 rands (pelos quais teríamos pago R$ 3,64). A diferença é pequena, então vale a pena encomendar rands nas casas de câmbio e levar alguns dólares para o freeshop.

Os brasileiros parecem estar descobrindo essa maravilha de cenário. Tanto que, conforme dados do Turismo da África do Sul, no ano passado 30 mil conterrâneos visitaram o país. E, para 2016, a perspectiva é chegar em 40 mil. O maior público de fora do continente provém do Reino Unido, com 407,4 mil visitantes em 2015, seguido por Estados Unidos (297,2 mil) e Alemanha (256,6 mil). Entre os africanos, 1,9 milhão de turistas vieram do Zimbabwe.

Joanesburgo, a maior cidade do país
A partida para desbravar o país é Joanesburgo, distante oito horas de São Paulo em voo direto. Embora não seja uma das três capitais sul-africanas (Pretória, administrativa, Cidade do Cabo, legislativa, e Bloemfontein, judicial – descentralização que ocorreu para dificultar a tomada de poder pelos negros, durante a segregação), é a maior cidade, com 4,5 milhões de habitantes – assim como a Terra da Garoa, guardadas as devidas proporções, que abriga 12 milhões.

Jo’burg, como é chamada pelos moradores (algo como Sampa), é altamente cosmopolita. Aquela que, no século 19, era tida como capital mundial do ouro, não deve nada em comparação às grandes cidades europeias quando o assunto é a presença de multinacionais, grandes shoppings, como o Sandton City, com grifes internacionais, e onde está o charmoso Nelson Mandela Square com enorme escultura de Madiba, de seis metros, e restaurantes estrelados.

Essa parte da cidade, porém, endereço de suntuosas mansões e que abriga o centro financeiro (a Bolsa de Valores sul-africana é uma das 20 maiores do mundo), é região bastante moderna, que contrasta com outra, separada por uma ponte, hoje de livre tráfego. Do lado de lá se tem uma cidade completamente diferente, que concentra a parte histórica. Nela, os prédios são antigos e os comércios, mais simples, que lembram Havana, a capital cubana, só que sem seus icônicos carros antigos.

A frota da cidade é nova, mas, o trânsito, caótico e desordenado. Provavelmente influência dos costumes indianos – a maior comunidade fora da Índia está no país. O que também explica o gosto pelo tempero forte e pelo quase que onipresente curry. Na África do Sul, quase toda comida é apimentada.

No Centro, é possível conhecer o Constitution Hill, situado em complexo de prisão desativada, o Old Fort Prision, onde, no início do século 20, esteve Mahatma Gandhi (líder do Movimento de Resistência Passiva, sem violência, por ser contra as leis que obrigavam os asiáticos a apresentarem um passe para circular no país) e por onde também ‘passou’ Mandela. O local possuía cárcere feminino, onde ficou retida Winnie Madikizela-Mandela, sua segunda mulher. Lá, hoje, funciona o Tribunal Constitucional Sul-Africano, que tem, em sua fachada, o nome do local nas 11 línguas oficiais.

Adicionalmente, há o Museu África, sobre a história do continente, o Museu do Apartheid, que relata em fotos e fatos o tempo de segregação, e faz com que o turista tenha ideia de como era viver nesse período, e o Soweto, uma das maiores favelas do mundo, onde viveu Mandela. No local, é possível visitar o Mandela House Museum, casa em que ele morou e que foi transformada em museu. A rua em que está situado, a Vilakazi Street, é a única do mundo com dois premiados Nobel da Paz, Madiba e bispo Desmond Tutu (premiado em 1984). Para quem tiver mais tempo, vale a pena assistir a uma partida de húgbi, esporte número um do país, no Ellis Park Stadium – que recebeu jogos da Copa do Mundo de 2010.

Jo’Burg tem temperaturas amenas e, à noite, fica mais fresco. Dependendo da época, como na primavera, os termômetros podem cair aos 11°C, mesmo que durante o dia se aproximem dos 20°C. Isso ocorre porque está situada em cadeia montanhosa, assim como Campos do Jordão (Interior de São Paulo). Quanto à segurança, as regras são as mesmas que para qualquer grande cidade. É recomendado não andar com muito dinheiro no bolso nem com câmeras à mostra. E usar táxis indicados por hotéis, assim como não se aventurar desacompanhado por lugares de má reputação.

A jornalista viajou a convite da Latam Airlines Brasil




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